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Vultos do passado

>> sábado, 26 de agosto de 2006

Carregamos tantas lembranças que durante nossa correria diária nos esquecemos completamente e, sem motivo aparente, elas voltam e não saem da nossa cabeça. Às vezes a memória falha e não conseguimos mais lembrar rostos, nomes, detalhes... Às vezes não somos capazes de esquecer determinadas situações, lembrar parece reviver tudo o que passamos na época. Não acho saudável viver do passado, mas não somos ninguém se não tivermos memória.
Esses dias lembrei do Tony. Eu o conheci quando treinava softball. Ele era do time de baseball e eu o adorava. Era um menino muito lindo com seus 5 anos e vivia no meu colo, que tinha 13 anos na época.
Lembro que queria parar de treinar, estava enjoada cansada... Minha intenção era fazer meu irmão devolver meu uniforme e não aparecer mais lá. Meu pai, um homem rigoroso com relação à educação, me fez ir pra agradecer o tempo que eles me treinaram e devolver eu mesma o uniforme. Aí não precisaria mais treinar nada que eu não quisesse. Fui contrariada, tinha que acordar cedo no domingo, pra ir até a praça onde o ônibus nos pegava, ir até Susano (onde ficava o campo), conversar com os senseis e esperar até de tardezinha pra poder vir embora.
Nesse dia não teve treino do time feminino, apareceram poucas pessoas e passamos o dia inteiro passeando por ali e conversando. Lembro que era uma espécie de sítio, com 3 campos para treinarmos, pomar com algumas árvores onde pegávamos frutas, piscina, a casa do caseiro, uma casa onde dormíamos de vez em quando, íamos sábado à noite para poder começar o treino domingo bem cedinho, tenho várias histórias dessas noites mas isso fica para outro post, um outro dia quem sabe... Havia também um lugar, tipo vestuário, não lembro direito de lá. O engraçado que é o lugar onde mais ficávamos. Tinha umas salas onde podíamos nos trocar, banheiros e uma varanda enorme com mesas e bancos onde comíamos.
Por coincidência ou não, nesse dia o Tony também foi treinar apenas porque seu pai não deixou que ele faltasse. Também ele não queria ir nesse dia, sei lá porque razão. E para que ele não fosse tão contrariado, mandou o irmão menor de 4 anos para acompanhá-lo.
Começou a chover e acabou os treinos mais cedo, os meninos voltaram, se trocaram e fomos embora. No ônibus tinha gente do soft, mirim, infantil e seinen, o júnior teve jogo e estava em outro campo. O motorista oficial era o pai da Vânia, amiga que ficava grudada em mim e eu grudada nela, que o tempo se encarregou de separar. Hoje tenho notícias dela, que continua no meu coração, mas AQUELA amizade infelizmente não existe mais. Ninguém da família Sato foi nesse dia, era outro motorista e nem a Ligi, a Vânia, a Mirna e o Rudolf apareceram.
O acidente aconteceu na volta. O campo ficava no alto de uma montanha, até chegarmos na estrada principal tínhamos que percorrer um longo caminho de terra, que na chuva virou caminho de lama. O motorista havia bebido enquanto nos esperava e estava descendo rápido demais, alguém ficava falando para ele ir mais devagar e ele foi ficando cada vez mais nervoso até se invocar e dar um pisão no freio.
Foi tudo muito rápido, lembro de ter sido jogada pro lado, olhei pela janela e vi a paisagem correndo de lado, de repente um estrondo, fiquei pendurada no banco de tanta força que eu usei para me agarrar nele. A Emiko que estava sentada comigo não conseguiu se segurar e caiu em cima de mim, com nosso peso o banco se soltou e caímos, e em cima de nós caíram os estofados de alguns bancos. O ônibus tombou. Foi uma confusão na hora. Muita gente machucada, a gente se levantando atordoados ainda e tentando sair dali. Alguém grita:
"- Saiam logo de dentro que não conseguimos desligar o motor e isso aqui vai explodir!!!!"
Apavoramento geral, apesar de não ter explodido nada. Estouraram o vidro traseiro, muita correria... Eu estava com o corpo dolorido e andava devagar olhando pra baixo pra ver onde pisava, estava uma confusão de bolsas, bancos, muita coisa. Foi quando eu vi o Tony caído, preso embaixo do ônibus. Ele foi jogado pra fora da janela na hora que o ônibus rodou. Infelizmente esse ônibus acabou tombando em cima dele. Chovia, trovejava e relampejava muito. E nós ali, no meio do mato fomos acolhidos por moradores da região. Era uma casa de pau a pique, chão de terra, iluminada com velas e aquecida com fogão a lenha. A água era de um poço. Confesso que nunca tinha visto alguém vivendo em condições tão precárias. Eu não conseguia parar de chorar. Vi quando levantaram o ônibus e tiraram várias pessoas que ficaram presas. Vi levarem ao hospital os que estavam mais machucados. Por isso me desesperei quando soube que levaram meu primo Kazuo nessa primeira leva. Graças a Deus o sangue dele era do nariz que bateu na queda, nada grave. Perguntei pelo meu irmão e ficaram me enrolando que ele estava na outra casa. Na verdade o besta, junto com seu inseparável amigo Pulguinha (Marcelo?), se embrenharam mato adentro para buscar socorro, assim ninguém conseguia encontrá-los e não sabiam como iam me dizer que ele tinha desaparecido. Ainda bem que a coragem heróica dos dois pirralhos acabou logo e voltaram até onde estava o ônibus e troxeram-no para que ficasse comigo.
Fui a última a ser levada para casa, já passava das 21:00. Quase tive um treco quando tive que entrar na kombi, pensei que meu coração fosse explodir de tanto medo.
Era começo do ano letivo no colégio e eu faltei por uma semana. Uma semana que eu sonhei todos os dias com o acidente, uma semana que eu não podia andar de carro, uma semana que eu não podia ficar sozinha. Uma semana de horror e traumas profundos.
Meus pais não permitiram que eu fosse no velório do Tony, fiquei descontrolada quando soube que ele não havia resistido.
Meu saldo: algumas escoriações, hematomas no corpo inteiro, vários galos que sangraram um pouco e um coração partido em zilhões de pedacinhos.
Isso tudo aconteceu há 25 anos mas não consigo me esquecer do horror que passei aquele dia, não sei se algum dia serei capaz de esquecer...
Hoje ele teria a idade do Hélio, provavelmente estaria casado e com filhos e, quem sabe, poderia estar batalhando por uma vida melhor aqui no Japão. Tudo isso lhe foi roubado por causa da irresponsabilidade de um homem que não se lembrou que dirigia um ônibus lotado de crianças antes de beber. Tony foi a única vítima fatal, mas muitos quebraram pernas e braços, além de cortes profundos em vários locais do corpo.
Isso me faz lembrar outra coisa. Se eu tivesse conhecido o Hélio criança, jamais imaginaria que um dia iria me casar com ele, é difícil se imaginar casada com alguém que você carregou no colo. Lembro de uma conversa nossa, muito engraçada:
Hélio: "- A primeira novela que assisti inteira foi Roque Santeiro. Estava no terceiro ano."
Eu: "- Terceiro ano? Na época de Roque Santeiro EU estava no terceiro ano..."
Hélio: ????
Eu: "... do colegial." :p
Affe... Eu já estava na faculdade e ele nem tinha terminado o primário ainda.

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